FORMAÇÃO - Capítulo 5.
“Se você quer ser psicoterapeuta,
o essencial de sua formação acontecerá depois da faculdade ou, quem sabe,
durante seus estudos. De qualquer forma, se dará fora da academia” (p.55).
“Uma peça chave da
formação de um psicoterapeuta é o tratamento ao qual ele mesmo se submete. […}
espera-se que, nesta experiência, o futuro terapeuta se depare com a
complexidade de suas motivações, sintomas e fantasias conscientes e
inconscientes. […] não há melhor introdução à variedade do sofrimento humano do
que a descoberta de que, em algum canto de seus pensamentos, ele pode encontrar
palavras, lembranças, razões, visões e pensamentos parecidos com aqueles que
afetam, agitam ou mesmo enlouquecem seus pacientes” (p.55-56).
“Espera-se também
que, nesse emaranhado, o terapeuta escolha um fio e o percorra detalhadamente,
lendo e estudando”. Deve atentar, no entanto, que “o estudo universitário não é
exatamente equivalente ao estudo proporcionado pelos institutos de formação. A
compreensão dos textos não é a mesma. Há uma diferença relevante entre ler como
estudante, que deve dar conta do que aprendeu , e ler como terapeuta em
formação, que interpreta os textos a partir da experiência singular de sua
própria terapia ou análise” (p.56-57).
É
importante tomar cuidado…
“Formações unívocas,
ligadas à doutrina de uma instituição só, ganhariam em rigor, mas perderiam em
complexidade e em liberdade”. Sobre a liberdade da qual fala: “acho que um
pouco de formação em terapia cognitiva ou sistêmica seria útil para um
psicoterapeuta motivacional. A grande maioria de meus colegas psicanalistas
achará que essa afirmação é um disparate” (p. 58-59).
Indispensável
para um psicoterapeuta
“tenha instrumentos
diagnósticos para não confundir, se possível, uma amnésia histérica com o
começo de uma arteriosclerose ou de um Alzheimer e para se lembrar que uma
depressão pode ser o efeito de uma insuficiência de hormônio da tireóide. Na
suspeita, é bom encaminhar o paciente para um check-up neurológico, vascular e
endocrinológico” (p.61).
“tenha um
conhecimento dos princípios ativos dos remédios psicotrópicos mais comuns”
(p.61).
Indispensável para um
psicoterapeuta
“conheça os
princípios diagnósticos de Manual Estatístico Diagnóstico (DSM) adotado pela
Organização Mundial da Saúde” (p.61)
“necessário, a meu
ver, que um psicoterapeuta passe por uma experiência efetiva e consistente com
pacientes psicóticos e, se possível, com toxicômanos. Os estágios clínicos
universitários respondem a essa necessidade” (p.62).
Sobre a formação em
psicologia clínica ou psiquiatria para um psicoterapeuta
“quem não passa pelo
ensino clínico universitário, em geral, forma-se só e exclusivamente na
orientação específica da instituição que escolheu.”
“[…] medindo
cuidadosamente as palavras, uma formação policiada para ficar circunscrita a
uma prática só e ao ensino que lhe corresponde está levando gerações de
terapeutas e analistas a valorizar não o compromisso com os pacientes, mas a reprodução
e preservação da doutrina na qual se formaram”. (grifo Dr. Gerson Heidrich)
Por fim…
“A orientação
terapêutica na qual você se formou ou está se formando, minha jovem amiga, não
é uma ideologia, nem uma fé na qual seria preciso que você
acreditasse, nem uma espécie de dívida que você contraiu com seus mestres
e que a forçaria a se fazer seu repetidor e arauto fiel” (p.64-65).
Ou seja, porta voz,
mensageiro…
CURAR OU NÃO CURAR
Sobre vários colegas
psicanalistas…
“não aceitam de jeito
nenhum que a psicanálise seja uma psicoterapia; recusam a idéia de que o
psicanalista se proponha a curar, de uma maneira ou de outra, o sofrimento de
seus pacientes.” “[…] reservas bem justificadas quanto aos efeitos da vontade e
da pressa de curar” (p.69).
Argumentos para desconfiar
da idéia de que a psicanálise seria uma forma de terapia…
“Se o terapeuta
estiver com pressa de agir, acreditará que a queixa apresentada (com a
explicação que a acompanha) diz mesmo o essencial do que atormenta o paciente.
E tentará imediatamente combater o sintoma ou ajudar na solução do dilema.
Neste caso, quase sempre, o sintoma e o dilema apenas se deslocarão, migrarão
alhures, pois o sofrimento psíquico é como a massinha de modelar de nossa
infância; você não a quer num determinado quartinho da casa da boneca, empurra
com força, consegue deslocá-la, mas ela não sumiu, apenas se insinuou pelas
frestas e reaparece no quarto ao lado” (p.70).
Mais argumentos….
As definições
tradicionais dizem “que curar significa restabelecer a normalidade funcional
ou, então, levar o sujeito de volta a seu estado anterior à doença.” No
entanto, “nosso ideal de normalidade é o estado em que um sujeito se permite
realizar suas potencialidades, ou seja, estado em que nada impede que
alguém viva plenamente o que lhe é possível nos limites impostos por sua
história e sua constituição. Se a normalidade for definida assim, ela pode
ser perfeitamente o alvo de nossas curas” (p.72-73).
“Uma psicoterapia é
uma experiência que transforma; pode-se sair dela sem o sofrimento do qual a
gente se queixava inicialmente, mas ao custo de uma mudança. Na saída, não
somos os mesmos sem dor; somos outros, diferentes” (p.73).
Paciente ou analisando/analisante…
“Há meios
psicanalíticos em que a palavra ‘paciente’ é malvista. Paciente é o chato que
se queixa e quer ser curado, enquanto quem faz análise é ‘analisando’ ou
‘analisante’, não paciente, pois ele deve esperar análise e não cura” (p.79).
Calligaris considera:
“A psicanálise me
interessa por sua capacidade de transformar as vidas e atenuar a dor. Se tenho
uma reserva diante da palavra ‘paciente’, é porque espero que todos sejamos
impacientes com o sofrimento desnecessário que, eventualmente, estraga nossos
dias”(p.79).
Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para
psicoterapeutas, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
Calligaris Nasceu
na Itália, formou-se na França e vive entre Brasil (São Paulo) e Estados Unidos
(Nova York). Doutor
em psicologia, psicanalista, entre outras formações.
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