domingo, 29 de setembro de 2013

Reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos


FORMAÇÃO - Capítulo 5.


“Se você quer ser psicoterapeuta, o essencial de sua formação acontecerá depois da faculdade ou, quem sabe, durante seus estudos. De qualquer forma, se dará fora da academia” (p.55).
“Uma peça chave da formação de um psicoterapeuta é o tratamento ao qual ele mesmo se submete. […} espera-se que, nesta experiência, o futuro terapeuta se depare com a complexidade de suas motivações, sintomas e fantasias conscientes e inconscientes. […] não há melhor introdução à variedade do sofrimento humano do que a descoberta de que, em algum canto de seus pensamentos, ele pode encontrar palavras, lembranças, razões, visões e pensamentos parecidos com aqueles que afetam, agitam ou mesmo enlouquecem seus pacientes” (p.55-56).

“Espera-se também que, nesse emaranhado, o terapeuta escolha um fio e o percorra detalhadamente, lendo e estudando”. Deve atentar, no entanto, que “o estudo universitário não é exatamente equivalente ao estudo proporcionado pelos institutos de formação. A compreensão dos textos não é a mesma. Há uma diferença relevante entre ler como estudante, que deve dar conta do que aprendeu , e ler como terapeuta em formação, que interpreta os textos a partir da experiência singular de sua própria terapia ou análise” (p.56-57).

      É importante tomar cuidado…

“Formações unívocas, ligadas à doutrina de uma instituição só, ganhariam em rigor, mas perderiam em complexidade e em liberdade”. Sobre a liberdade da qual fala: “acho que um pouco de formação em terapia cognitiva ou sistêmica seria útil para um psicoterapeuta motivacional. A grande maioria de meus colegas psicanalistas achará que essa afirmação é um disparate” (p. 58-59). 
     
      Indispensável para um psicoterapeuta

“tenha instrumentos diagnósticos para não confundir, se possível, uma amnésia histérica com o começo de uma arteriosclerose ou de um Alzheimer e para se lembrar que uma depressão pode ser o efeito de uma insuficiência de hormônio da tireóide. Na suspeita, é bom encaminhar o paciente para um check-up neurológico, vascular e endocrinológico” (p.61).
“tenha um conhecimento dos princípios ativos dos remédios psicotrópicos mais comuns” (p.61).

Indispensável para um psicoterapeuta

“conheça os princípios diagnósticos de Manual Estatístico Diagnóstico (DSM) adotado pela Organização Mundial da Saúde” (p.61)
“necessário, a meu ver, que um psicoterapeuta passe por uma experiência efetiva e consistente com pacientes psicóticos e, se possível, com toxicômanos. Os estágios clínicos universitários respondem a essa necessidade” (p.62).

Sobre a formação em psicologia clínica ou psiquiatria para um psicoterapeuta

“quem não passa pelo ensino clínico universitário, em geral, forma-se só e exclusivamente na orientação específica da instituição que escolheu.”
“[…] medindo cuidadosamente as palavras, uma formação policiada para ficar circunscrita a uma prática só e ao ensino que lhe corresponde está levando gerações de terapeutas e analistas a valorizar não o compromisso com os pacientes, mas a reprodução e preservação da doutrina na qual se formaram”. (grifo Dr. Gerson Heidrich)

Por fim…

A orientação terapêutica na qual você se formou ou está se formando, minha jovem amiga, não é uma ideologia, nem uma fé na qual seria preciso que você acreditasse, nem uma espécie de dívida que você contraiu com seus mestres e que a forçaria a se fazer seu repetidor e arauto fiel” (p.64-65).
Ou seja, porta voz, mensageiro…

Capítulo 6:

CURAR OU NÃO CURAR
Sobre vários colegas psicanalistas…

“não aceitam de jeito nenhum que a psicanálise seja uma psicoterapia; recusam a idéia de que o psicanalista se proponha a curar, de uma maneira ou de outra, o sofrimento de seus pacientes.” “[…] reservas bem justificadas quanto aos efeitos da vontade e da pressa de curar” (p.69).

Argumentos para desconfiar da idéia de que a psicanálise seria uma forma de terapia…

“Se o terapeuta estiver com pressa de agir, acreditará que a queixa apresentada (com a explicação que a acompanha) diz mesmo o essencial do que atormenta o paciente. E tentará imediatamente combater o sintoma ou ajudar na solução do dilema. Neste caso, quase sempre, o sintoma e o dilema apenas se deslocarão, migrarão alhures, pois o sofrimento psíquico é como a massinha de modelar de nossa infância; você não a quer num determinado quartinho da casa da boneca, empurra com força, consegue deslocá-la, mas ela não sumiu, apenas se insinuou pelas frestas e reaparece no quarto ao lado” (p.70).

Mais argumentos….

As definições tradicionais dizem “que curar significa restabelecer a normalidade funcional ou, então, levar o sujeito de volta a seu estado anterior à doença.” No entanto, “nosso ideal de normalidade é o estado em que um sujeito se permite realizar suas potencialidades, ou seja, estado em que nada impede que alguém viva plenamente o que lhe é possível nos limites impostos por sua história e sua constituição. Se a normalidade for definida assim, ela pode ser perfeitamente o alvo de nossas curas” (p.72-73).
“Uma psicoterapia é uma experiência que transforma; pode-se sair dela sem o sofrimento do qual a gente se queixava inicialmente, mas ao custo de uma mudança. Na saída, não somos os mesmos sem dor; somos outros, diferentes” (p.73).


Paciente ou analisando/analisante…

“Há meios psicanalíticos em que a palavra ‘paciente’ é malvista. Paciente é o chato que se queixa e quer ser curado, enquanto quem faz análise é ‘analisando’ ou ‘analisante’, não paciente, pois ele deve esperar análise e não cura” (p.79).

Calligaris considera:


“A psicanálise me interessa por sua capacidade de transformar as vidas e atenuar a dor. Se tenho uma reserva diante da palavra ‘paciente’, é porque espero que todos sejamos impacientes com o sofrimento desnecessário que, eventualmente, estraga nossos dias”(p.79).


CALLIGARIS, Contardo.
Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

Calligaris Nasceu na Itália, formou-se na França e vive entre Brasil (São Paulo) e Estados Unidos
(Nova York). Doutor em psicologia, psicanalista, entre outras formações.

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